Os cariocas não lembram que a Região Portuária é negra. O visual do Museu do Amanhã é bem bacana mesmo, mas já experimentou sair um pouco do eixo Praça Mauá-Boulevard Olímpico? Se não, prepare-se para se surpreender e conhecer uma história que precisa ser contada mais vezes. Apesar de muitos turistas circularem pela praça, há pouquíssimas referências do que o Porto do Rio representa.
Sorte que tem uma galera empenhada em mostrar esse outro lado que, na minha opinião, é muito mais interessante do que qualquer foto no “Rio eu te amo”. Vá por mim e conheça o Rio além da Praça Mauá no Circuito Histórico e Arqueológico da Herança Africana.
Eu conto como foi a experiência aqui no post!
Mais sobre a herança africana da Região Portuária
Quando eu digo que a Região Portuária é negra, é porque o Cais do Valongo foi o maior porto de escravos das Américas, onde 700 mil pessoas desembarcaram para serem comercializadas. Essa parte da história do Rio não pode passar despercebida, mas, infelizmente, muita gente não conhece o lado B do complexo turístico.
Nas obras do Porto Maravilha, foram encontrados diversos elementos arqueológicos da chamada “Pequena África”, desde objetos até esqueletos em um cemitério de escravos. Os achados centenários dialogam com os tempos atuais, já que a herança africana pulsa no Porto do Rio até hoje, e essa relação da história com o presente é mostrada no passeio.
Como é o tour Circuito da Herança Africana
O tour é feito a pé e totalmente gratuito. Ele foi estabelecido pela Prefeitura, mas, quem organiza é o Instituto dos Pretos Novos – IPN, um sítio arqueológico e centro cultural de memória africana e uma das paradas do passeio.
O ponto de encontro com os guias do IPN é no Largo São Francisco da Prainha, a 3 minutos de caminhada da Praça Mauá, pela Rua Sacadura Cabral. O largo, com seus casarões históricos, tem esse nome, porque era realmente uma “prainha”, onde batiam as ondas do mar e que foi aterrada no final do século XIX.
É lá também, que fica a estátua em homenagem a Mercedes Batista, a primeira bailaria negra do Theatro Municipal do Rio e uma importante referência para a dança afro no país.
Seguindo, andamos pela Rua São Francisco da Prainha e no nº41 fica o quilombo da Pedra do Sal, que conseguiu ser reconhecido, mas ainda não foi demarcado. Eles são super ativos e têm muito peso no movimento negro do Rio.
Ali do lado fica a Pedra do Sal, ou Largo João da Baiana, onde, no século XIX os escravos descarregavam o sal. As escadas da pedra foram construídas por eles para facilitar a caminhada carregando quilos e mais quilos de sal. O lugar foi também ponto de acolhimento dos negros alforriados que chegavam ao Rio e principal ponto de encontro de sambistas como Pixinguinha e João da Baiana.
Atualmente, é onde rola uma das melhores rodas de samba da cidade, todas as segundas-feiras. Veja mais informações no site oficial.
Subimos a Pedra pela escadaria e começamos a entrar no Morro da Conceição, um bairro charmoso e histórico. Paramos logo na primeira casa e a guia nos conta que, apesar de ter sido ocupado, principalemtne por escravos, ele também teve alguns moradores portugueses. Para identificar as casas lusitanas, basta olhar os azulejos de santos em cima das portas.
As casas do Morro da Conceição são lindas, todas coloridas e conservadas. Atualmente o bairro é muito ocupado por artistas, observe as placas redondas com os nomes do ateliês.
Passamos por dois mirantes, um virado para o mar e outro virado para o Centro, com um visual lindo do Cristo Redentor, do relógio da Central do Brasil e do Morro da Providência, a primeira favela do país.
Vamos seguindo e está na hora de descer até os Jardins Suspensos do Valongo, aos pés do Morro da Conceição. O local foi construído pelo prefeito Pereira Passos, em 1906, inspirado no classicismo grego. O objetivo era camuflar o antigo uso do local, já que a Rua do Valongo e o Largo do Depósito era onde ficavam os mercados de escravos da cidade. Além do mercado, a rua também tinha vários comércios ligados à escravidão, como casas de ferro para acessórios de tortura, correntes, etc. Com o projeto Porto Maravilha, o ex-prefeito Eduardo Passos Paes (não dá pra resistir a piadinha infame), reformou os jardins.
Logo abaixo dos jardins, descendo as escadarias, na Rua do Valongo nº5, fica a Casa da Tia Ciata, um centro cultural para resgatar a memória de uma das figuras mais importantes do samba carioca. Tia Ciata ficou famosa por sua casa ser onde vários músicos se encontravam para tocar samba – um ritmo proibido na época. Pixinguinha e Donga eram frequentadores assíduos. Nós demos sorte que a bisneta da Tia Ciata, Gracy Mary Moreira, estava por lá e nos contou a história de sua bisavó.
Ali pertinho, fica o Cais do Valongo, o mais novo Patrimônio da Humanidade da UNESCO (orgulho!). Lembra que eu falei que o mar batia no Largo São Francisco da Prainha? Pois é, o Cais do Valongo era onde chegavam as embarcações e onde desembarcavam os milhões de escravos, a partir de 1811.
Com as obras do Porto Maravilha, foram encontradas as pedras originais do cais, que ficaram soterradas por mais de 150 anos. Em 1843, com a chegada da Imperatriz Teresa Cristina, o Cais foi modernizado e passou a se chamar Cais da Imperatriz. É possível observar a diferença das pedras no sítio arqueológico.
Em frente ao Cais do Valongo, ficam as Docas Dom Pedro II, um antigo depósito de grãos projetado pelo engenheiro negro, André Rebouças. Na construção, que foi 20 anos antes da abolição da escravatura, ele proibiu o uso da mão de obra escrava. Atualmente é onde funciona a Ong Ação da Cidadania, do importante ativista e sociólogo brasileiro Herbert de Souza ou Betinho.
A caminhada continua entrando no bairro da Gamboa, observando o Morro do Livramento, onde nasceu e morou o escritor Machado de Assis. Passamos pela Praça da Harmonia, que foi palco da Revolta da Vacina e paramos na Escola José Bonifácio, uma das primeiras escolas públicas do Brasil, inaugurada em 1876. O prédio é lindo e atualmente funciona como um Centro Cultural de Resgate da Memória Negra. Infelizmente, apesar do espaço ser maravilhoso, ele não está muito ativo, por falta de verba da prefeitura.
A última parada, para fechar com chave de ouro, é no Instituto dos Pretos Novos – IPN, que organiza o tour junto com a prefeitura. O local é um dos pontos mais interessantes do passeio, já que é onde fica um cemitério de escravos recém chegados ao Brasil que não resistiam a viagem ou faleciam logo que desembarcavam – por isso eram chamados de pretos novos.
O cemitério ficou adormecido por muitos anos, até um casal comprar o terreno para construir sua residência. Durante as obras, foram encontradas diversas ossadas e os proprietários – que poderiam ter abafado o caso e seguido com a vida normalmente – resolveram avisar às autoridades e, com as escavações, arqueólogos constataram que o Cemitério de Pretos Novos era bem ali. A vida da família virou de cabeça pra baixo e resolveram transformar aquele terreno em um espaço de memória. O trabalho do IPN é incrível, porém, infelizmente, a prefeitura cortou a verba que eles recebiam e há riscos de ser fechado. Porém, o #IPNResiste, firme e forte, para não deixar essa parte da história ser esquecida.
Informações úteis
Quanto: grátis, só precisa agendar pelo site
Quando: todas as terças-feiras
Duração: duas horas
Onde: Região Portuária, Rio de Janeiro
Como: a pé, não esqueça um sapato confortável e a garrafinha d’água
Porque fazer o Circuito
As obras do Porto Maravilha fizeram uma suposta “revitalização” na Região Portuária do Rio de Janeiro, porém, apesar da área Praça Mauá – Boulevar Olímpico estar toda reformada, a região também abrange os bairros da Gamboa, Saúde, Santo Cristo e parte do Centro, que nunca deixaram de ter vida, e, principalmente, história. Estes lugares tem uma grande importância, já que foram onde o Rio de Janeiro nasceu, e, infelizmente esse passado é inibido pelas autoridades quando eles chamam de “revitalização”, porque supõe que não havia nada ali antes do Porto Maravilha. Iniciativas como o Circuito Histórico e Arqueológico da Herança Africana merecem ser valorizadas e divulgadas, para que esse outro lado do Porto seja incluído nos roteiros turísticos!
Colabore com o IPN
O Instituto dos Pretos novos recebe doações no programa IPN amigos, veja mais informações no site.
⭐ Saiba mais: Zona Portuária do RJ: Boulevard Olímpico, Pequena África e atrações fora do circuito tradicional
⭐ Todos os post sobre o Rio aqui
Mais sobre a Herança Africana no Rio
Outra dica é fazer esse tour com a Gabi Palma, dona da agência de viagens Sou Mais Carioca. Ela tem duas experiências com esse tema no Airbnb, uma presencial (R$150) e outra online (a partir de R$20). Vale a pena conferir.
No nosso passeio de bicicleta, nós teminamos na Pequena África e é uma boa ideia combinar com o tour da Gabi.
⭐ Confira nosso passeio de bike pelo Rio aqui!
15 Comentários
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Escrevi sobre o Circuito ontem, nós promovemos um evento com a colaboração de duas historiadoras para darem uma aula pra gente sobre como foi a trajetória dos africanos escravizados, foi muito emocionante! Poucas pessoas conhecem o Circuito ou falam sobre ele, gostei de conhecer seu site <3
Beijos
Cami Santos
http://www.naestradacomasminas.com.br
Oii!
Sim, é muito bom ver que outras pessoas estão divulgando esse Circuito, fico feliz.
Obrigada! Conheço o site de vocês porque a Bruna fez pós comigo na UERJ. Adoro essa ideia de promover eventos com mulheres viajantes! Vamos trocar umas figurinhas 🙂
Beijos.
Good job!!!
Grazie! 🙂
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