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Uma viagem pelo Camboja

por Ursulla Lodi

– Senhor, acho que você deu dinheiro a mais.
Não, é uma gorjeta.
Mas são 4 dólares.
É pra vocês, garçons.
Ah sim!


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O Camboja me emocionou. Me tocou de uma forma que nenhum outro lugar no Sudeste Asiático foi capaz. Meu maior arrependimento de todo meu mochilão foi não ter ficado mais dias, conhecido mais, absorvido mais deste país e de seu povo tão amável. Mas fica o pretexto para voltar.

O sonho de conhecer Angkor

Minha família é tarada por arqueologia. Meus pais já foram em quase todos os sítios arqueológicos do mundo e dividir algumas destas experiências com eles fez com que eu me tornasse ainda mais apaixonada por viajar – descobrindo novas culturas e respeitando diferentes modos de existir, como uma forma de ampliar nossos valores, nossa própria existência.

Esta viagem para conhecer a zona arqueológica de Angkor, em Siem Reap, era um sonho deles, que se tornou meu, que se tornou nosso. E foi muito mais do que isso. Foi um prazer encontrá-los do outro lado do mundo para dividir esta aventura.

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Do alto da torre central de Angkor Wat

Angkor, a capital e Cidade Sagrada do Império Khmer, está naquela lista seleta de lugares que a realidade consegue superar a expectativa. Trata-se da expressão máxima da  criatividade, ambição e absurda devoção espiritual deste povo, confirmando o quão grandioso foi o Império Khmer para a época de seu apogeu, entre os séculos XI e XIII.

Entre áreas florestais, lagos e estradas que compõe uma paisagem belíssima, nos deparamos com magníficos templos budistas e outras ruínas destes tempos áureos e de períodos hinduístas anteriores – antes da conversão da religião oficial do Império Khmer para o Budismo, com o Rei Jayavarman VII.

Andar por estes antigos monumentos, abraçados pela natureza, e se deparar com seus pequenos detalhes preservados pelos séculos, imaginando toda a história que se passou por lá é uma experiência única e muito marcante.

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Os detalhes impressionantes, no templo Banteay Srei, fora da província de Siem Reap

Igualmente impressionante é a história recente do povo cambojano, que encontra em seus ancestrais da civilização angkoriana um motivo de orgulho para se reconstruir dos horrores sofridos durante o Khmer Rouge, mantendo, para nossa surpresa, seus espíritos invencíveis, com um sorriso largo estampado na face. Não é à toa que a bandeira nacional tem como símbolo o Angkor Wat.

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No interior do Ta Prohm

No Camboja, subimos ao reino dos deuses em Angkor, em uma fusão de simbolismo, simetria e espiritualidade, e descemos para a escuridão, quando tomamos ciência do que se passou por ali à tão pouco tempo, no regime do Khmer Vermelho. Mas o que mais impressiona é como este povo conseguiu superar tudo isto, de maneira tão humilde e espirituosa, inspirando à todos.

Espirituosidade esta como a de nosso amigo Keo Sophal, que foi nosso motorista durante a viagem, nos levando em todos os cantinhos de Siem Reap e em vilarejos mais afastados, como a vila flutuante do Lago Tonle Sap, onde viajamos nas cenas cotidianos da realidade local.

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Hora da saída na escola da vila flutuante do lago Tonle Sap <3

Keo, se recentia de ter seguido a profissão de motorista, por não ter podido seguir estudando quando jovem. E esta foi a menor de suas perdas… Não deve ter sido fácil ser criança durante o regime do Khmer Rouge.

Chega a ser bizarro notar que a grande maioria da população é jovem, sendo raro ver alguém de mais de 50 anos. O que não é tão estranho se pensarmos que o Khmer Vermelho dizimou, sem contraditório ou sequer critério, 3 milhões de pessoas em apenas 4 anos – e que para além da ditadura, o país também foi palco da Guerra do Vietnã.

O Khmer Rouge sustentou sua guerrilha até meados dos anos 90, quando a ONU finalmente conseguiu promover as primeiras eleições mais ou menos livres do país – modelo pouco democrático este que ainda é a realidade atual no Kingdom of Cambodia. Segundo Keo, a vontade do povo não se reflete nas urnas, que parecem ser forjadas para manter a mesma estrutura de poder.

Mas a declaração de Angkor como Patrimônio Mundial da UNESCO em 1992, significou importante avanço para um país até então fechado para o turismo e com seu patrimônio deteriorado pelo abandono e conflitos. Abriram-se as portas para novas fontes de doações: instituições alemãs, francesas, americanas e japonesas começaram a trabalhar com o governo cambojano para recuperar as ruínas. Resultado: em duas décadas, Angkor Wat tornou-se uma das atrações mais concorridas da Ásia, fortalecendo a economia e incentivando o país a se reconectar com sua história e tradições, em tempos melhores fomentados pelo turismo movido a dólar.

Um belo exemplo deste processo de reconexão, é o projeto da empresa Artisans Angkor, dedicada à preservação das habilidades tradicionais Khmer. Conto mais sobre seu belo trabalho em outro post.

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O monumental Angkor Wat, que atualmente recebe cerca de 2 milhões de visitantes por ano!

É uma pena que a maioria dos viajantes, assim como eu, passa pelo Camboja com os dias contados e restringe o turismo do país a Siem Reap, onde se localiza o complexo de Angkor. Ficamos 5 dias e 4 noites por lá, mas poderia ter sido muito mais… Para além dos magníficos templos, o país tem belas praias e ilhas – ainda não tão exploradas pelo turismo de massa – e uma capital de vida noturna intensa que guarda, sobretudo, os horrores do Khmer Vermelho.

Nosso roteiro estava apertado, e infelizmente ou felizmente, terei que retornar algum dia… Mas se pudesse voltar atrás, incluiria ao menos duas noites em Phnom Penh, capital do Camboja, para fazer uma visita necessária ao Museu do Genocídio Toul Sleng e entender mais sobre o que se passou com o país.

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Mas, para além das atrações, não há dúvidas que o verdadeiro tesouro do Camboja é o seu povo,  que parece lançar um feitiço em qualquer viajante de coração aberto. Os cambojanos foram ao inferno e voltaram, graças ao seu espírito indestrutível e otimismo contagiante que prevalece e prevalecerá.

Nunca esquecerei desta frase, escrita à mão na parede de um restaurante: “Nosso inglês pode não ser bom, mas nossos sorrisos são contagiantes.” E são, assim como sinceros.

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Para ler antes de viajar, ou durante a viagem: 🙂

Holiday in Cambodia, Laura Jean McKay

First They Kille My Father, Loung Ung

Veja também:
Guia da zona arqueológica de Angkor, em Siem Reap, Camboja

Or Kun Chren, Camboja! Obrigada e até logo.

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