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Vou te convencer a viajar: Inle Lake, Myanmar

por Ursulla Lodi

Depois da primeira vista apaixonante dos campos repletos de pagodas de Bagan, onde passamos a virada do ano, talvez conhecer Inle Lake tenha sido a experiência mais emblemática da minha viagem pelo Myanmar. Arrisco até mesmo dizer que uma das mais especiais de toda a minha jornada pelo Sudeste Asiático.

Na fase de planejamentos do meu mochilão fiquei um bom tempo refletindo se valeria a pena pegar mais um voo interno nos confins do Myanmar, um país recém aberto para o mundo exterior e de estrutura aérea ainda precária para conhecer a região do Lago Inle.

Voaríamos de Bagan para o aeroporto de Heho, o mais próximo do lago, onde teríamos ainda que arranjar um carro que nos levasse até a cidade de Nyaungshwe, a 1 hora de distância. Falando agora dá até saudade do frio na barriga de voar de bimotor, mas na época parecia muita pretensão, até mesmo para mim, que nesta altura do campeonato, já estava mais do que acostumada à vida cigana.

Para ter ideia, pense em aeroportos menores que rodoviária de cidade do interior, em que suas malas são carregadas da pista, diretamente do bagageiro da aeronave, nas costas dos funcionários que gritam seu nome enquanto você se vira para achar o ticket da bagagem –  não foi um exagero!

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Mas, como sempre, a curiosidade e espírito de aventura acabaram falando mais alto e lá fomos nós.  Mesmo em uma passagem tão breve, não tenho dúvidas que este foi um grande acerto de roteiro. Se Bagan é o cartão postal do país, Inle Lake me proporcionou um fascínio mais duradouro, que ainda perdura dentro de mim em sensações, imagens e cheiros de uma realidade tão diferente da minha.

Um relato para te convencer a incluir Inle Lake no seu roteiro pelo Myanmar

Inle Lake é um grande lago entre montanhas na província Shan, na região central do Myanmar, famoso internacionalmente pelo ballet de seus pescadores – que remam com os pés com tamanho domínio e delicadeza que nos remetem de fato à dança. O lago tem uma área estimada variável de acordo com as monções entre 116km² e 100km² de comprimento por apenas 5km de largura, tornando-o o segundo lago em área e um dos mais altos do país, a 884m de altitude.

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Os famosos pescadores do Lago Inle

Na verdade, da minha pesquisa no Google, isto era tudo o que eu sabia até me deparar imersa em seu estreito canal de águas marrons dentro de uma canoa motorizada, com o vento frio batendo na cara, munida apenas da minha máquina fotográfica e de uma capa de chuva. Era o portal de teletransporte para um universo paralelo, partindo da cidade base de Nyaungshwe.

Eram 7 horas da manhã e as gaivotas iam acompanhando o barco pelo canal, que desembocava em águas mais profundas conforme íamos adentrando no lago – optamos por sair bem cedinho para poder conhecer o mercado e fazer a rota longa, o que recomendo bastante. Nos arredores, algumas casinhas simples e crianças de bicicleta sorridentes. Logo observava o degradê das águas, se tornando cada vez mais cristalinas conforme aclarava a visão das algas aquáticas em seu fundo. Por entre a névoa, a paisagem  era de tirar o fôlego num visual de montanha e vida cotidiana no interior do lago.

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Foi um belo amanhecer nublado, contemplando alguns pescadores bailarinos: que mantêm a tradição de remar e lançar seus cestos não só com as mãos, mas, sobretudo, com os pés, equilibrando-se na pontinha das canoas, como se usassem pernas de pau – no caso, os remos, que saiam por seus longhis, a saia masculina birmanesa.

O ballet dos pescadores é de fato algo fascinante e, justamente por isto, rapidamente explorado, muito embora ainda existam os pescadores verídicos que mantêm viva esta tradição e não estão lá apenas para ganhar trocados posando para as fotos. Mas, não tem jeito. Só estamos lá por causa do turismo e este, infelizmente, transforma tudo a sua volta, mesmo num país ainda tão puro.

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Mas o ápice da visita ainda estava por vir. O mais incrível deste dia tão rico em memória, foi ser telespectadora da realidade local. No interior do lago existem centenas de comunidades tradicionais, que moram em vilas flutuantes. Diferente das vilas de Siem Reap, no Camboja, que já havíamos visitado anteriormente, em Inle Lake, as comunidades flutuantes são complexas e autônomas, com  grandes palafitas, escolas, templos e até mesmo um monastério, verdadeiras cidades suspensas sob a água.

Passamos um bom tempo flutuando por entre suas ruas aquáticas, abismados com tudo que passava pela nossa frente, quase sem piscar. Cada uma delas funciona como um pequeno bairro, praticamente subsistente, com rede elétrica em postes submersos e plantações de tomates e outras hortaliças hidropônicas que crescem em ilhas. Em quase todas as casas, havia sua própria garagem de barco, varanda e cercadinho com alguns leitões. Tudo muito simples, mas digno, bonito de se ver. Só fiquei triste de ver tanto plástico dentro d’água, num ambiente que em nada combinava com esta mazela contemporânea da plastic society.

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Plantações de flores no interior do lago

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Vida cotidiana dentro do lago, detalhe para a rede elétrica.

Depois de percorrer algumas comunidades, chegamos no mercado do lago, onde a população compra o que não é capaz de produzir. Havia chovido muito no dia anterior e tudo era lama. Foi até difícil caminhar do barco até os feirantes, mas o esforço valeria a pena.

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Produtos no Mercado

A visita ao mercado foi, sem dúvida, uma das experiências mais impactantes de todas, sobretudo por ser uma daquelas raras vezes que o turista é exceção no ambiente, podendo ser apenas um apreciador de seu estado natural. Foi sensorial: patinando com lama nos calcanhares, via os artesanatos, os alimentos, as pessoas comprando e vendendo, num burburinho barulhento do comércio que acontecia naquela outra forma de viver tão distante, mas tão comum. Bebês risonhos comendo espigas de milho no topo de pilhas de alhos roxos vendidos por suas mães, mulheres belas e com thanaka nas bochechas, pessoas gritando e eu ali, aproveitando para registrar tudo na minha memória e em fotos.

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Belas de thanaka, o cosmético característico do país.

Das tendinhas que exalavam  aromas exóticos, espiei homens comendo e bebendo, rindo e jogando cartas. Era o mercado como epicentro da vida daquela comunidade de contrastes, congelada no tempo, mas que se comunicava com celulares. Não tenho nem palavras para descrever esta lembrança que foi tão viva em todos os meus sentidos.

Depois de uma parada para almoço bem honesta, seguimos o passeio visitando o imponente Phaungdawoo Pagoda, templo mais importante do Lago Inle, famoso por suas imagens sagradas – que de tantas folhas de ouro coladas pelos devotos do sexo masculino ao longo dos séculos, se tornaram irreconhecíveis, verdadeiras bolotas douradas, me perdoe o paganismo.

Por lá existe também uma escola e um mercado com quitutes locais e antiguidades que vale a pena conferir. Continuamos navegando lago à cima, parando em outros pagodas, muitas estupas, feirinhas e no monastério Nga Phe Kyaung,  o mais antigo do lago, de 1850 – do nosso calendário já que no calendário tradicional birmanês estamos atualmente no ano 1375 e as semanas têm 8 dias. 🙂

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Phaungdawoo Pagoda

No resto do dia, como em todo passeio acertado as paradas foram pré determinadas por nosso barqueiro. Passamos o final do dia entre lojinhas de artesanato e confecções rudimentares de madeira, onde são feitos os barcos, de prata e da belíssima seda feita em tear manual – inclusive a seda de flor de lótus que cresce nas águas do lago.

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Mulher da Tribo Karen, famosa por seus long necks, vendendo artesanatossim, elas são provenientes do Myanmar e não da Tailândia

Claro que ninguém é obrigado a comprar nada, se não quiser. Se não tiver interesse basta falar “no shops, please”, mas mesmo que esta não seja sua praia, achei muito interessante ver ao vivo produções tão rudimentares, sobretudo a fábrica de seda, onde aprendemos o passo à passo da confecção. Confesso que compramos alguns belos lenços de lá, afinal de contas, o trabalho era lindo, feito pela mãos daquelas senhorinhas miúdas e não é todo dia que se compra algo feito no interior de Inle Lake, no Myanmar. 🙂

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Tingimento manual da seda

Falando no barqueiro, mesmo com uma gigante barreira idiomática, depois de passar um dia inteiro em sua canoa fizemos amizade. Mas ele ganhou mesmo nosso coração quando gentilmente lavou nossos calçados de todo o barro do mercado na primeira oportunidade que tiramos as botas. <3

Em Inle Lake eu vi verdade, coisa rara de se deparar hoje em dia. Fiquei encantada e fui presenteada ainda com mais ballet, agora emoldurado pelo pôr do sol, que resolveu aparecer. Que sorte a minha por ter vivido esse dia que me ensinou ainda mais sobre as diferentes formas de existir. E eu to falando de simplicidade.

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Dicas para o passeio

O passeio é fechado em barquinhos privativos, não tem muito jeito de fugir disso. No dia anterior, quando chegamos, combinamos o percurso, o horário e o preço de 17 mil kyats, cerca de U$ 17 por pessoa, diretamente com nosso barqueiro na central de barcos de Nyaungshwe, na beira do canal. O jeito é fazer amizade para ele fazer suas vontades.

Vale muito a pena acordar mais cedo para conhecer o mercado e fazer a rota longa, mas o passeio será literalmente do amanhecer ao pôr do sol. Portanto, roupas e calçados confortáveis. Uma capa de chuva pode ser interessante. 🙂

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Risada de criança não tem idioma <3

De Heho para Inle Lake

Os vôos para o aeroporto de Heho saem das principais cidades de Myanmar, incluindo Yangon, Bagan e Mandalay. Os vôos custam entre US$ 80 e 150 a perna num bimotor e a viagem, de qualquer uma dessas cidades leva cerca de 1h. As principais cias. aéreas que atendem Heho são a  Air Bagan, Yangon Airways e Air KBZ.

Quem prefere encarar a estrada, também existe opção de ir de ônibus até a cidade base de Nyaungshwe. A viagem dura cerca de 11 horas e custa cerca de US$ 22. Clique aqui para ver mais opções.

Para sair de Heho não tem muito mistério. Chegamos embaixo de um temporal neste que foi o menor aeroporto que já estive na vida e conseguimos um motorista que nos levasse até a cidade de Nyaungshwe. Ele não falava inglês, usava saia e chinelos e tinha aquele largo sorriso vermelho, manchado de tanto mascar folhas de betel, típico dos homens do país. Negociamos o preço em 25 mil kyats, algo em torno de 25 dólares. Antes de chegar na cidade é necessário pagar a taxa de acesso ao lago de 20 dólares por pessoa.

Se você não sabe, no Myanmar todos os carros tem o volante no lado direito, como na mão inglesa. Contudo a mão é igual a nossa, o que tornava cada ultrapassagem uma grande aventura! Mas chegamos são e salvos no nosso hotel reservado no Booking.com.

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Estupas e mais estupas construidas ao longo dos séculos

Hospedagem em Nyaungshwe ou no lago

Optamos por não dormir no interior do lago e passar as duas noites em Nyaungshwe, pois, depois de ler alguns relatos e pesquisar muitos hotéis, chegamos a conclusão que seria um certo perrengue ter que colocar toda a bagagem na canoa motorizada, sem falar que os hotéis do interior do lago são muito mais caros e não temos tantas opções de restaurantes quanto em Nyaungshwe.

Ficamos no 81 Central, bem razoável, dentro do esperado. Outra opção um pouco menos econômica é o View Point, na beira do canal. Mas se você quiser se hospedar dentro do lago, uma boa relação custo-benefício é o Amata Garden Resort.

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O que fazer em Nyaungshwe

Fora o lago, na cidade base não tem muito o que fazer. Existe um mercado central bem rústico que vale a pena dar uma olhada, sendo possível ir até ele num passeio de bicicleta  com algumas paradas em pagodas. Se preferir relaxar, se aprochegue em algum restaurante de comida caseira, como o Lotus e delicie-se com mais uma salada de folhas de chá, meu prato birmanês favorito.

Falando em gastronomia birmanesa, se quiser se aventurar, uma ideia bem legal é fazer uma aula de culinária, aprendendo o preparo de alguns pratos típicos. Aposto que será diversão garantida.

Fotos: Ursulla Lodi

Gostou desse post? Veja também Um teletransporte para o Myanmar.

 

 

 

 

2 Comentários

Rodolfo Lotta 04/08/2018 - 11:51

Olá Ursulla!

Viajei com você pelo lago…!
Estou indo para Tailândia e Myanmar (mais tempo na Birmânia) entre outubro e novembro próximo.
Uma pergunta… Estou considerando 2 dias quase completos no Inle Lake.
Você acha suficiente?
Desde já meu muito obrigado e boas viagens!!!

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Ursulla Lodi 06/08/2018 - 12:32

Oi, Rodolfo! Acho que dará pra ver tudo com tranquilidade em dois dias! Por nada, bom giro!

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